CONSIDERAÇÕES: ENCÍCLICA “LAUDATO SI”



Com esta Encíclica sinto uma alegria muito grande por causa de dois olhares: o olhar franciscano sobre a realidade e o olhar do Papa Francisco na amplidão do olhar de Francisco de Assis, que antecipou há oito séculos um modo peculiar e comprometido de ver a Irmã e Mãe Terra, de querer ser colocado nu sobre a terra nua no momento de seu Transitus, para sentir bem na intimidade da casa. Diz a Encíclica: “Nós somos terra. Todo nosso corpo é constituído de elementos do planeta, seu ar é aquele que respiramos, sua água vivifica e restaura” (n.2)

Quero ler esta Encíclica sob o olhar da poética e da mística, para argumentar comprometimentos. Olhar poético enquanto emoção, admiração, gratidão, encantamento, consanguinidade criatural e o ver e fazer perfeito. Olhar místico enquanto desvelamento da verdade de todas as coisas, a vida movida por uma Força Maior que tudo sustenta e tudo governa. É maravilhoso que um Papa conclame ao dom de existir e estar na mesma casa. Conviver e não usar. Estar no mundo, fazer do mundo um itinerário, ir para a criação como quem escreveu o Gênesis. Em nosso planeta Terra, tudo é um caminho que sai e retorna para seu único lugar: o lugar sagrado! É a metafísica de São Boaventura que nos diz que tudo sai do Todo, revela a sua face e retorna ao Sagrado. A origem de Deus como causa eficiente, manifestando suas imagens e vestígios, Deus como causa exemplar e causa final. Oprimir e devastar a terra, fazê-la gemer em dores de parto (Rm 8), é matar o Sagrado que nela habita e a irmanação universal de todas as criaturas, de todos os homens e mulheres que preenchem esta casa.

Que esta Encíclica nos ajude a pensar um modo singular de estar na existência, que ela faça uma ponte entre o mundo vivencial, a realidade conjuntural e a fala. A Encíclica provoca uma mística das relações, uma espiritualidade ecológica (Cap 6, 202). Viver na terra é presença, unidade, vida, morte, amor e tempo. É a união de todos os seres, não na passividade, mas na profecia do cuidado, e ir contra todos os mecanismos de morte que geram uma cultura de morte que já regou com sangue de Josimo, de Chico Mendes, de Ezequiel e de Doroty a sonhada justiça deste chão.

A Encíclica chama a atenção do uso técnico, científico e catastrófico dos recursos naturais. Destruir o natural é cultura de morte e gera uma insensibilidade cosmovital. Existe ética na técnica que explora? Destruir rios e florestas é sentir-se parte do cosmos? A Encíclica nos dá uma responsabilidade moral de defender a vida, de evitar a dessacralização da natureza. O Papa propõe mudança de vida, rever o modo de produção, a produção exagerada de lixo, a atenção urgente para com a radical mudança climática, as injustiças socioambientais, efeito estufa, e o controle destes modelos globais de desenvolvimento. Por que os países ricos defendem a natureza só de modo utilitário, isto é, defender para usar e produzir que gera uma relação viciada ente humanidade e ambiente?

A Encíclica fala de estilo novo de vida, de educação para respeitar o ambiente, fala de conversão ecológica, de colocar um freio no consumismo. O que seria tudo isto? Não seria uma proteção que deixa ser o natural, para que o natural possa se recompor e não virar pedreiras e montanhas sucateadas e inertes. É preciso dar tempo e cuidado ao natural.  Ecologia não é mera militância de barulhentos ambientalistas, mas sim luta profética para melhorar a qualidade de vida. Tecnologia e progresso não são processos de destruição. Estilo de vida não é gastar excessivamente os recursos de energia e suas fontes.

Que a nova Encíclica nos leve para uma comunhão de bens e não acúmulo. Que crie a consciência de que tecnologia criativa não causa danos, mas sim respeita a dignidade humana e o ciclo natural da nossa Mãe e Irmã Terra. Que cuidemos da evolução das espécies e da evolução do humano. Somos guardiães do habitat. Se cresce a densidade demográfica que cresçam também os recursos e a melhor distribuição dos bens.  Violência física contra a espécie humana e violência contra a natureza povoam os noticiários, mas nós estamos mais preocupados com os quatro melhores colocados do Brasileirão.  Precisamos de um desenvolvimento justo e conservação da vida, mas escolhemos políticos e partidos como se torce para times da série A e B. A natureza e as pessoas estão na série C. Brigamos por igrejas e liturgias e esquecemos de pregar uma democracia ecológica que respeite todas as formas de vida. Todos os seres estão em relação uns com os outros, por que ficar então de fora? A vida é um valor por si só; ela é presente de Deus e merece todos os louvores, toda proteção e todo respeito! Laudato si, mio Signore!

                                                                                                             Frei Vitório Mazzuco OFM

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