Reflexões Franciscanas - 19



43. Francisco de Assis não foi um estudioso, pesquisador ou acadêmico; nem foi teólogo, filósofo, nem alguém que quis intencionalmente elaborar uma teoria de valores para a vida. Ele foi um sentimento encarnado e não um pensamento a ser estudado. Ele era concreto no que falava e fazia. Nunca foi contra os estudos, mas não precisava deles para explicar as razões de viver. Francisco de Assis mais mostrava que demonstrava; era um testemunho vivo e não um  explicador, muito espontâneo, direto, imediato. Não escrevia Legendas, mas tornou-se ele próprio uma Legenda. Abriu caminhos e não precisou descrevê-los. Viveu enamoradamente a vida e não construiu sistemas. Um gênio da ação e uma vontade que era só paixão. Podemos dizer, como afirmava o fundador da fenomenologia dos valores, Max Scheler: “Francisco de Assis era uma filosofia encarnada e vivida, enquanto soube fundir de modo harmonioso a dimensão pessoal, humana, fraterna e religiosa”. É da sua própria vida que podemos falar dos valores que o animavam.

44. Cada pessoa elabora, no percurso de sua vida uma escala de valores. Alguns com forte influência ideológica, outros valores que brotam de uma expressiva experiência existencial. Organiza a vida, lança-se em projetos, encontra as maiores motivações. Francisco de Assis inspirava a sua vida na compressão que tinha dele mesmo como pessoa humana. Não vamos encontrar nele uma definição científica do que é o ser humano, mas ele põe em ação a força humana que brota de seu ser. Como diz Antonio Merino: “Cada ação, quando é dinâmica, criadora e coerente, inclui implicitamente uma filosofia e pressupostos muito válidos que condicionam e orientam, de modo muito específico, o comportamento humano e a visão do humano e do mundo” (Merino, in “Humanismo Franciscano”, p.15). Em Francisco a pessoa humana merece total respeito e confiança. A Regra Bulada diz: “Eu os admoesto e exorto a que não desprezem nem julguem os homens que virem vestir roupas macias e coloridas e usar comidas e bebidas finas, mas cada qual julgue e despreze antes a si mesmo” (Rb 2,18). E diz ainda a mesma Regra Bulada: “E onde estão e onde quer que se encontrarem os irmãos, mostrem-se mutuamente familiares entre si. E com confiança um manifeste ao outro a sua necessidade, porque, se a mãe nutre e ama a seu filho carnal, quanto mais diligentemente não deve cada um amar e nutrir a seu irmão espiritual?” (Rb 6,8-9). E continuando a citar a Regra Bulada: “E devem acautelar-se para não se irar ou se perturbar por causa do pecado de alguém, porque a ira e a perturbação impedem a caridade em si e nos outros” (Rb 7,4). E quanto aos frades que têm dificuldade em observar a forma de vida, Francisco recorda: “ Os ministros, porém, recebem-nos caritativa e benignamente e tenham para com eles tanta familiaridade que eles possam falar-lhes e agir como senhores com seus servos; pois assim deve ser: que os ministros sejam servos de todos os irmãos” (Rb 10,6).

45. Gosto da firmeza que Francisco de Assis demonstra quando cuida da realização humana, do enriquecimento do humano ao convocar à coerência e à convicção, palavra e vida, testemunhadas pelas boas obras: “Tanto possui um homem de ciência, quando aquilo que realiza nas suas obras; e tanto possui um religioso de oração, quanto aquilo que na vida põe em prática”. Como se quisesse dizer:” Não se conhece a árvore boa, senão pelos frutos” (Legenda Perusina,74). Ou como diz a Legenda Maior: “E porque propunha primeiramente a si mesmo com obra o que aos outros aconselhava com palavras, não temendo repreensão pregava com muita intrepidez a verdade (...) Falava com a mesma firmeza de espírito aos grandes e aos pequenos e com a mesma alegria de espírito falava a muitos e a poucos” (LM 12,8). A Legenda dos Três Companheiros atesta: “A partir de então, o bem-aventurado Francisco, percorrendo as cidades e aldeias, começou a pregar por toda parte de maneira mais ampla e perfeita, não em palavras persuasivas da sabedoria humana, mas na doutrina e na virtude do Espírito do Espírito Santo, anunciando com confiança o reino de Deus. Pois era um pregador veraz, fortalecido pela autoridade apostólica, não empregando qualquer adulação e evitando as lisonjas das palavras, porque o que propunha aos outros pela palavra, primeiramente já havia proposto a si mesmo em obra, de modo que falava a verdade intrepidamente. Muitos letrados e doutos também admiravam a força de sua palavra e a verdade que nenhum homem lhe ensinara, e apressavam-se em vê-lo e ouvi-lo como um  homem  de outro mundo. Começaram, por conseguinte, muitos do povo, nobres e não-nobres, clérigos e leigos, animados por divina inspiração, a seguir os passos do bem-aventurado Francisco e, abandonando as preocupações e as pompas do mundo, a viver sob a sua disciplina” (3Comp 13, 54).

Frei Vitório

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