Reflexões Franciscanas -14



33. Argumentos teológicos se unem a argumentos de uma evangelização necessária. A pobreza interna e externa entra no modo de estar no mundo ontem e hoje a partir do Evangelho: no social e nas questões sociais, entre os embates políticos do liberalismo, socialismo e comunismo, nos que não têm nada e são excluídos, na pobreza produzida, na economia de desenvolvimento, na fome do mundo e nos que sofrem as consequências dos mecanismos de morte. A pobreza entra nas famílias religiosas e seus carismas. A discussão sobre a pobreza avança no campo teológico, litúrgico, eclesial e conciliar. Uma Igreja pobre entre os pobres, sinal dos tempos. Houve um homem chamado Francisco de Assis; há um Papa chamado Francisco. Ambos apontam que o caminho para mudar o mundo e a Igreja começa pelo ideal da máxima simplicidade, humildade e pobreza. Jesus construiu o Reino sobre esta base. Nós seremos capazes de reconstruir?

34. Escreve São Boaventura: “Francisco é uma nova manifestação da graça salvífica de Cristo, por um apelo à total imitação de Cristo e pelo profundo desejo da sede do divino” ( LM, Prólogo 5 ). Restaurar a casa arruinada é reconstruir a partir de um modelo: o da pobreza! O Papa Inocêncio III reconhece naquele mendicante que entrou em seu sonho como o que sustentava a Basílica de Latrão para que ela não desabasse. A pobreza foi a resposta silenciosa e gritante de Francisco, foi a sua natural pregação. Ele viveu a pobreza em oposição à tentação da grandeza e poder temporal. Andou pelas ruas e praças, e a sua simples presença abalou a avareza e o orgulho do clero e dos poderosos de seu tempo. Ele queria que todos se preocupassem exclusivamente com as coisas de Deus e a partir daí melhorar o mundo. No “Sacrum Commercium Beati Francisci cum Domina Paupertate”, provavelmente escrito por Frei Giovanni Parenti, numa alegoria poética estimula-se a esposar-se com a pobreza, ter uma vida de pobreza, tomar partido pela austeridade. Sede pelo Evangelho e não sede pelo dinheiro. Poder dado não é para dominar, mas para santificar. O remédio para as crises de relações que brotam dos que têm muito em mãos, é libertar-se de bens terrenos;  ou talvez até quem sabe desfazer-se deles entregando a quem puder usá-los para o bem comum! É testemunho de pobreza evangélica ter prédios, grandes construções e conventos fechados, sem uso, deteriorando, e sem saber o que fazer com eles? Se pobreza é ter em comum, que tal propiciar a oportunidade de outras formas de uso deste espaço para o bem comum? Este seria um verdadeiro sinal profético de reconstruir a casa!

34a) Gostaria de deixar aqui duas colocações de  Michel Mollat, sobre o que é ser pobre no período medieval: “O pobre é aquele que de forma permanente ou temporária se encontra numa situação de fraqueza, de dependência, de humilhação, caracterizada pela provação de meios, variáveis segundo as épocas e as sociedades, meios de poder e de consideração social: dinheiro, relações, influência, poder, ciência, qualificação técnica, honorabilidade de nascimento, vigor físico, capacidade intelectual, liberdade e dignidade pessoais. Vivendo do dia a dia, o pobre não tem nenhuma possibilidade de se levantar sem a ajuda do outro. Uma tal definição pode incluir todos os frustrados, os deixados por conta deles próprios, os associais, os marginais; esta definição não é específica de uma época, duma região, de um meio. Ela não exclui sequer aqueles que por um ideal ascético ou místico quiseram se desapegar do mundo ou que, por devotamento, escolheram viver pobres entre os pobres” (Michel Mollat, Les pauvres au moyen-âge, Paris, 1978).

 E diz também Mollat:  “A novidade específica consiste em se ter ele, Francisco de Assis,  instalado perto do pobre, procurando reabilitá-lo a seus próprios olhos, trazendo-lhe uma mensagem contra a pobreza em nome de uma vitória sobre a pobreza. Isto equivalia a proclamar a dignidade do pobre como tal, não só como imagem de Jesus Cristo, mas porque Jesus o amou. Assim se explica o beijo no leproso” (Michel Mollat, A pobreza de Francisco: opção cristã e social, in Concilium/169, 1981, vol. 9, p.36)

Frei Vitorio


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