São Luís de França e os Franciscanos - Final


São Luís e o Papa Inocêncio IV (1248), de Louis Jean F. Lagrenee
Frei Sandro Roberto da Costa, ofm
4. Conclusão
A infância do príncipe Luís foi marcada pela presença dos primeiros franciscanos que chegaram à França. Religiosos austeros, piedosos, penitentes, mas ao mesmo tempo plenamente inseridos nos centros urbanos que surgiam, cientes de suas labutas e ambiguidades cotidianas, seja na política, seja no mundo acadêmico ou eclesiástico-religioso.
Franciscanos e dominicanos influenciaram o modo de Luís impostar a política na França. Ambas as Ordens contavam com homens preparados, intelectuais e pensadores que dominavam as cátedras na universidade de Paris. Da parte especificamente franciscana, é interessante notar que Luís se cerca daqueles frades imbuídos de uma nova visão do modo de ser religioso e de impostar as relações com o mundo. O empenho nas reformas, a radicalidade de vida, o combate aos abusos, a visão alegórica, apocalíptica e milenarista, prospectando um mundo diferente, transformado pela radicalidade evangélica, marcam a vida destes homens. Mas não são monges, isolados nos eremitérios e mosteiros, distantes e alheios aos problemas humanos. Ao contrário, são religiosos empenhados em buscar respostas às grandes questões e desafios que aquele momento e aquela sociedade lhes propõem, vivenciando-as e conhecendo-as a partir de dentro. Le Goff afirma que “São Luís... entre os franciscanos estava inclinado a seguir os joaquimitas: mas ele se cerca daqueles que se impõem por sua influência na sociedade da segunda metade do século XIII, quer dizer, pessoas da Igreja que buscam antes de tudo achar um modus vivendi entre as novas seduções da vida, o desenvolvimento de uma economia de troca e empréstimo, e as necessidades da salvação. Pessoas partidárias tanto do compromisso religioso como do compromisso social, de uma evangelização da sociedade nova equilibrando o admissível e o inaceitável”[56].
Os franciscanos correspondem muito bem a esse novo modus vivendi: são homens de uma piedade e seriedade religiosa a toda prova, fautores da pobreza e da simplicidade, vivem nas cidades, e estão nos grandes centros de estudos, discutindo em pé de igualdade com os maiores pensadores de seu tempo, dando respostas pertinentes e eficazes aos desafios dos novos tempos. São homens que entendem as necessidades, a linguagem e os desafios das cidades. Encontram-se, com a mesma desenvoltura, nos mais simples e humildes tugúrios ou nos palácios e parlamentos dos reis. Homens preparados e capazes de corresponder às exigências dos espíritos mais sérios e preocupados em impostar uma política de governo que correspondesse aos desígnios de Deus. Mas, ao mesmo tempo, capazes de guiar os espíritos humanos nas árduas batalhas espirituais travadas dia a dia na busca da salvação da própria alma. Com os discípulos de Francisco de Assis, Luís de França aprendeu a cuidar bem da cidade dos homens, sem perder de vista a Cidade de Deus.
Na peregrinação em busca da salvação, a exemplo de Francisco de Assis, Luís seguiu os passos do Cristo da Paixão. Através da penitência, do sacrifício e da caridade para com o próximo, os pequenos e pobres, conseguiu atingir a meta. Na decisão de partir para a segunda cruzada, doente e enfraquecido, estava a certeza de que a derrota da primeira fora causada por sua culpa, por causa de seus pecados. Assim, a cruzada revela-se como uma via purgativa, de salvação e de conformação com o Cristo pobre e sofredor[57]. A morte na cruzada é a conclusão ideal de sua vida.
As palavras dirigidas ao filho no seu Testamento Espiritual representam o ponto de chegada de uma vida pautada pela busca do bem comum, e pelo empenho pela própria salvação, seguindo as pegadas de Cristo: “Filho dileto, começo por querer ensinar-te a amar ao Senhor, teu Deus, com todo coração, com todas as forças, pois sem isto não há salvação... Guarda, meu filho, um coração compassivo para com os pobres, infelizes e aflitos e, quanto puderes, auxilia-os e consola-os. Por todos os benefícios que te foram dados por Deus, rende-lhe graças para te tornares digno de receber maiores. Em relação a teus súbditos, sê justo até o extremo da justiça, sem te desviares; e põe-te sempre de preferência  da parte do pobre mais do que do rico, até estares bem certo da verdade. Procura com empenho que todos os teus súditos sejam protegidos pela justiça e pela paz, principalmente as pessoas eclesiásticas e religiosas. Sê dedicado e obediente a nossa mãe, a Igreja Romana, ao Sumo Pontífice, como pai espiritual. Esforça-te por remover de teu país todo pecado, sobretudo o de blasfêmia e heresia. Ó filho muito amado, dou-te, enfim toda bênção que um pai pode dar ao filho e toda Trindade e todos os santos te guardem do mal. Que o Senhor te conceda a graça de fazer sua vontade de forma a ser servido e honrado por ti. E assim, depois desta vida, iremos juntos vê-lo, amá-lo e louvá-lo sem fim. Amém”.

Bibliografia:

Livros:
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Joinville, Jean, Histoire de Saint Louis, edição de Natalis de Wailly. Paris: Librairie Hachette, 1921.
le Goff, Jacques, São Luís, Record 1999.
____________, Uma longa Idade Média, Civilização Brasileira, RJ 2008.
____________, O maravilhoso e o cotidiano no Ocidente Medieval, Edições 70, Lisboa, Portugal 1985.
____________, São Francisco de Assis, Record, RJ e SP 2011.
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Artigos:
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D’Aincreville, P., Le voyage de Salimbene en France, La France Franciscaine, t. I, 1912, p. 21-75.
Miatello, A. L. Pereira, Os frades mendicantes e a educação política no século XIII (Vicente de Beauvais e Gilberto de Tournai), XVIII Encontro Regional da ANPUH, 24-27 de julho de 2012
Miatello, A. L. Pereira, O rei e o reino sob o olhar do pregador: Vicente de Beauvais e a realeza no século XIII, Revista Brasileira de História, vol. 32, nº 63.
Peano, P., Resenha de obra sobre frei Hugo de Digne, Archivum Franciscanum Historicum, 79, 1986, 14-19.

Arquivos eletrônicos:
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Glorieus, Paul, Prélats français contre religieux mendiants. Autour de la bulle: “Ad fructus úberes” (1281-1290). In Revue d'histoire de l'Église de France. Tome 11. N°52, 1925. pp. 309-331. Doi : 10.3406/rhef.1925.2360. http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/rhef_0300-9505_1925_num_11_52_ 2360.
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Mercuri, Chiara. San Luigi e la crociata. In: Mélanges de l'Ecole française de Rome. Moyen-Age, Temps modernes, T. 108, N°1. 1996. pp. 221-241. doi : 10.3406/mefr.1996.3483. http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/mefr_1123-9883_1996_num_108_1_3483
Stein, Henri, Pierre Lombard, médecin de Saint Louis In: Bibliothèque de l'école des Chartes. 1939, tome 100. pp. 63-71.doi : 10.3406/bec.1939.449186.  http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/bec_0373-6237_1939_num_100_1_449186.




[56] Le Goff, Uma Longa..., oc, p. 261.
[57] “O Cristo sofredor é aquele proposto por Boaventura e pelo movimento franciscano, ao contrário de Francisco que tinha, ele mesmo, privilegiado o rosto amoroso do Pai celeste e que se viu ‘irmão’ do Cristo. Francisco se identificou com os sofrimentos espirituais do Filho, ao Cristo do Monte das Oliveiras, e não aos tormentos do supliciado, ao Cristo do Gólgota”. Mercuri, Chiara, San Luigi e la Crociata, 235-236. In: Mélanges de l'Ecole française de Rome. Moyen-Age, Temps modernes T. 108, N°1. 1996. pp. 221-241. doi : 10.3406/mefr.1996.3483. http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/mefr_1123-9883_1996_num_108_1_3483.  

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