São Luís de França e os Franciscanos - VIII

Claustro da Abadia de Royaumont, construída por São Luís aos monges cistercienses

 Frei Sandro Roberto da Costa, ofm
2.2 São Luís e a espiritualidade mendicante
Na vida de São Luís, homem religioso e piedoso, os religiosos em geral ocupam um lugar de destaque. Mas entre estes, gozam de maior simpatia e familiaridade do rei aqueles que têm sua vida pautada por uma regra de mais estrita observância e radicalidade evangélica. A amizade que unia o rei e os beneditinos cistercienses era conhecida de todos[18]. O rei construiu para os monges uma belíssima abadia, a de Royaumont, e para lá se dirigia com prazer, com toda sua família, onde se entretinha com os monges, como se fosse um deles, nas orações, ofícios, práticas devocionais e de caridade. Outro grupo religioso que ocupa um lugar central na vida de Luís são os mendicantes, especificamente dominicanos e franciscanos[19].
Quando Luís nasceu, o movimento franciscano estava nos seus inícios, dando os primeiros passos fora da Úmbria. Francisco de Assis tinha uma ligação sentimental com a França: sua paixão pela língua francesa provavelmente estava na origem de seu nome[20]. Há indícios de que sua mãe fosse de origem francesa, e por isso era também chamada de “Provençal”. Nos inícios da Ordem, Francisco havia tentado viajar à França, mas foi impedido pelo cardeal Hugolino, que o aconselhou a ficar na Itália[21]. Francisco enviou assim alguns frades. Frei Pacífico chega a Vézelay em 1217, e aí estabelece o primeiro convento franciscano em terras francesas, denominado “la Cordelle” (por causa da “corda” com os três nós que os frades usam)[22]. Em 1219, estão em Paris e em Saint Denis, onde serão conhecidos como “cordeliers”. Em 1223, estão em Lens, no Norte da França. 
Luís é muito próximo dos franciscanos e dominicanos, e é a espiritualidade preconizada pelos mendicantes que vai inspirá-lo no exercício de seu governo enquanto leigo cristão[23]. Os franciscanos, nas suas pregações nas cidades, são os maiores divulgadores desta espiritualidade nova, do Cristo vivo, encarnado, humano, humilde e sofredor, crucificado pelos pecados da humanidade. Uma espiritualidade cristológica, de um Cristo que se revela nos pobres, nos leprosos, nos abandonados[24]. É, ao mesmo tempo, uma espiritualidade penitencial, de conversão pessoal e de reforma, de combate aos abusos da Igreja, uma espiritualidade da “sequela christi” (seguimento de Cristo), do seguimento da “Vita Apostolica” (da vida dos Apóstolos), que encontra eco nas almas mais sérias e sedentas de uma prática cristã original, propugnada e popularizada pelos pregadores dos movimentos heréticos.
Luís pratica todos os atos de devoção, então comuns e esperados dos reis cristãos piedosos: os ofícios litúrgicos, a frequência aos sacramentos (confissão, comunhão), o culto às relíquias, o respeito à Igreja e a sua hierarquia, as práticas penitenciais e ascéticas, e a prática da caridade, principalmente para com os pobres. Sua mãe foi a grande responsável por discipliná-lo, desde a mais tenra idade, no caminho da devoção e da piedade. “No centro de sua vida está a oração, como um sol que ilumina todas as horas do dia. À meia noite o rei se veste para dizer as matinas na capela; depois ele torna a se deitar, mas semi-vestido, para estar pronto para se levantar assim que soe a hora da prima... Após a prima, a cada manhã, ao menos duas missas; uma breve, para os mortos, a outra cantada, que é a missa do dia. Durante a Quaresma, ele assiste uma terceira... Durante a jornada, algumas horas canônicas não podem faltar. Mesmo quando o rei cavalga, ele é acompanhado de seu capelão, e as horas são ditas a cavalo”[25].   



[18] Os Cistercienses são uma reforma do ramo beneditino, surgida na França em 1098, buscando uma maior radicalidade na vivência da Regra de São Bento. Seu maior nome é Bernardo de Claraval (1090-1153).
[19] Na liturgia da Saint-Chapelle, a magnífica capela pessoal que o rei construiu para colocar as relíquias, Luís institui três ofícios litúrgicos por ano, em honra das relíquias: um para os dominicanos, um para os franciscanos, e um dividido alternadamente entre as outras ordens religiosas presentes na capital. 
[20] “‘Quando ele estava cheio do ardor do Espírito Santo’, diz Tomás de Celano, ‘falava francês em voz alta’. Nos bosques, cantava em francês, pedia como esmola em francês, óleo para a luminaria de San Damiano  que tinha consertado”. Le Goff, Jacques, São Francisco de Assis, Record, RJ e SP 2011, p. 59.
[21] Fontes Franciscanas e Clarianas, Tradução de Celso Márcio Teixeira, Vozes/FFB, Petrópolis 2004: Primeira Vida de Celano 74-75, p. 248-249; Compilação de Assis 18, p. 944-945.
[22] Os primeiros frades que chegaram à França foram confundidos com os albigenses. Depois da intervenção de um bispo e uma carta do papa Honório, atestando a seriedade de vida dos frades, estes puderam se estabelecer no país. Cfr. Crônicas de frei Jordão de Jano, in Fontes Franciscanas..., oc., p. 1265. Destruído durante a revolução francesa, o convento de Vézelay foi reaberto em 1997, tornando-se um eremitério franciscano.
[23] A simpatia de Luís pelos franciscanos tem sua origem na devoção de sua mãe, Branca, por São Francisco.
[24] A biografia de São Francisco, escrita em 1228 por Tomás de Celano, coloca no encontro com o leproso, que se revela como sendo o próprio Cristo, o momento central da conversão do santo. Francisco vai evocar esta experiência vital no seu Testamento, um de seus mais importantes escritos. Outra experiência de conversão se dá quando Francisco entrega sua capa a um pobre que está sofrendo com o frio. O pobre logo desaparece, o que faz entender que se tratava do próprio Cristo.
[25] Madaule, J., Saint Louis de France, Aux Editions Franciscanies, Paris 1946, p. 17-18.

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