ITINERÁRIO A ASSIS – 3


Há cidades que se identificam por um personagem, por um produto, por um fato. Algo vive ali ou se fantasia através de anos. História, mito, folclore, lenda ou verdade marcam o lugar. Bragança e a linguiça; Joanópolis e o lobisomem; Salinas e a cachaça; Ibitinga e o bordado; Embu e as artes; Varginha e o E.T; Bonito e sua natureza exuberante. Podemos elencar uma lista enorme. Mas as cidades mais famosas e fortes do mundo se destacam pelos seus santos e santas. Vamos iniciar domingo, dia 2 de setembro, uma peregrinação indo em direção ao centro Sul da península italiana; um lugar de um acervo riquíssimo em quadros de belezas naturais, de arte,  paisagem, história, legendas e fé. Chegaremos a Assis, lugar da piedade e das legendas de um Santo e de uma Santa. Sua forte muralha guarda a arquitetura medieval sólida e palpitante. À nossa vista abre-se uma cidade que vive um ar onde se respira o espírito. Bandeiras, estandartes, pombas, sinos, pedras e mais pedras, olivais, ruas estreitas, povo alegre acostumado  com as hordas turistas e devotos.

Chegar ali é a sensação de que, a qualquer momento, um mendigo esfarrapado vai pedir pão para dividir com todos; vai falar de Deus, cantar para o Bem Amado, e se não for ouvido ou atendido por nós, certamente irá pregar aos pássaros. Mais que monumentos, Assis tem alma. Vamos entrar nas vielas da alma. O Evangelho ali se fez um lugar na vida de dois jovens. Esta é a diferença. Hoje, fala-se do Evangelho; ali, o Evangelho fundamentou escolhas definitivas. Não foi gritado, foi gritante na vida de Clara e Francisco, que foram capazes de fazer, de Assis para o mundo,  uma verdadeira revolução. As pedras ali parecem esconder atrás de si este segredo; mas não têm pudor em revelar.

Assis de Francisco. Assis de Clara. Francisco de Assis e Clara de Assis. Nome e lugar. Viveram ali e encheram as medidas do universo. Quem viveu bem o seu tempo e lugar atravessa séculos. Nosso grupo de peregrinos, em sua marcha para Assis, não será original. Há oito séculos todo mundo vai lá; e quem nunca conseguiu ir, sente-se tão vizinho a Assis. Clara nunca saiu desta cidade. E precisava? A prece, a contemplação, o silêncio é uma viagem para o Inefável. E esta viagem não é para turistas. Em todo o caso, na investidura de peregrinos, vamos lá para conferir.

As cidades italianas são feitas de gênios e santos. Firenze, Veneza, Roma, Assis testemunham isto há séculos e séculos. Mas como Assis é difícil encontrar algo parecido. Estive ali incontáveis vezes e senti isto nos arrepios de corpo e alma.  Seu crepúsculo é diferenciado, seus telhados, as linhas de seus palácios, seus detalhes cheios de história e de um ideal que seus dois filhos ilustres legaram. Sua Rocca Maggiore aponta ao longe junto com suas torres, e nos ensina a olhar para o horizonte e para dentro. Poder e pobreza ali se encontram. Batalhas de nobres e combates espirituais de místicos. A dureza de um tempo e a bela e enternecida formosura de Clara. Fortaleza de pedra e desenhos de céu. Chegaremos lá no verão indo embora e o outono pedindo licença para entrar, ou já entrando... Veremos girassóis, flores, campos, vales, o verde, horizontes de montes e colinas e, lá longe, um eco do Poverello dizendo: “Nosso claustro é o mundo!”

Em Assis ouviremos a fala italiana dos conterrâneos de Francisco, língua que tem música em sua fluência, como se cada palavra expressasse um orgulho sutil e uma herança toda de sentimentos. Cantaremos na praça serenata brasileira em contracanto com as canções de gestas da Idade Média. Veremos um encontro entre a cidade e o campo como se um entrasse no outro; juntos fazem a evocação mística do lugar; subiremos a montanha, lugar de elevação e desceremos para o vale, lugar da humilde profundidade. A paisagem moldou seu casal de santos tendo como fundo a natureza mãe e mística. Ali, Francisco e Clara andaram com os pés no chão procurando coisas do Alto.

Vamos nos deslumbrar com aquele casario todo encostado no Subasio; subiremos para o “Eremo delle Carceri”, avistaremos os Apeninos ao longe e o imenso vale e seus pequenos rios Chiaschio e Topino. Andaremos por meio das oliveiras seculares, alguns vinhedos e a plantação preparando o recolhimento outonal sob a terra. Vamos lembrar um texto de Dante Alighieri: “Quando falardes deste lugar, não lhe chame de Assis: pouco ou nada significaria; porém chamai-lhe Oriente, se quiserdes usar a palavra que convém!” É isto mesmo! Caminho orientado pelo coração, um templo a céu aberto, um espaço onde o Amor foi vivido e pregado por Francisco, e fez de seu Amado a máxima identificação. Em Assis, Francisco nos ensinou a pegar o Evangelho com as mãos e transformá-lo em plena vida.

Comentários

M Graças C de Abreu disse…
Pregar o Evangelho com as mãos é
demais.Parabéns frei Vitório.
Quanta inspiração e beleza.
Maria das Graças C Abreu.