A CONTEMPLAÇÃO DA NATUREZA - 5ª PARTE

Mais Algumas Idéias Sobre a Contemplação da Natureza nos Místicos Orientais

A contemplação cristã da natureza não é um fenômeno esotérico reservado a poucos intelectuais de matriz cultural grega. Existem muitos exemplos, no mundo oriental grego e eslavo, de almas culturalmente pobres, mas ricas de interioridade cristiforme.

Isaac, o Siro, de Nínive, que viveu no século IV, se sente totalmente solidário com todas as criaturas, a ponto de crer não poder salvar-se a não ser em total comunhão com todo o criado. À pergunta que se põe: o que significa um coração puro, assim responde:

“É um coração que sofre com todas as criaturas. E o que significa um coração que se compadece? É um coração que se inflama de caridade, pela criação inteira, pelo ser humano, pelos pássaros, pelos animais, pelos demônios, por todas as criaturas. Quando pensa nestas criaturas, quando as vê, os seus olhos não podem a não ser encher-se de lágrimas. É assim tão grande e violenta a sua paixão que o seu coração se despedaça quando vê o mal e o sofrimento das criaturas mais humildes. Por isso não cessa de rezar entre lágrimas em todos os momentos pelos inimigos da verdade e por todos aqueles que lhe tenham feito algum mal, para que sejam protegidos e perdoados. Ele reza também pelas serpentes, movido de piedade infinita, que desperta no coração de todos aqueles que se assemelham a Deus” [1].

Estas palavras apaixonadas de Isaac são uma relação do humano reconciliado com o universo inteiro e por isto considera todas as criaturas suas irmãs e se sente solidário com elas. Isto trouxe um grande influxo em todo o cristianismo oriental, seja grego ou eslavo. No romance “Os Irmãos Karamazov”, de Dostoievski, Grigorij, o servo de Ivan Karamazov, se aplica obstinamente às pregações contidas no livro: “Os sermões do nosso santo padre Isaac, o Siro”. O pensamento do santo vem reproduzido nas palavras do Starezt Zosima: “Amai toda a criação divina, juntamente com cada grão de areia. Amai toda a pequena relva, todo o raio de sol! Amai os animais, amai as plantas, amai todas as coisas! Se amardes todas as coisas colhei nelas o mistério de Deus”.

Temos também Silvano do Monte Athos, falecido em 1938, portanto bem vizinho ao nosso tempo, destacando a sua doutrina e escritos, pelo testemunho de seu discípulo Sofrônio:
“A alma do starezt exultava de alegria diante da beleza do mundo visível... Sob este aspecto era como um menino: todas as coisas o maravilhavam!”

Nos seus ensinamentos Silvano dá também a razão pela qual o humano deve permanecer estático frente à beleza da natureza:

“O humano que perdeu a graça não sabe mais perceber a beleza do mundo e nada mais o maravilha; e não lhe toca mais nem mesmo a inexprimível beleza da criação de Deus. Eu sei quando a graça do Senhor está com o humano, tudo o que existe dá à sua alma um inconcebível maravilhamento, e contemplando a beleza visível a sua alma dá conta da incrível presença de Deus em todas as coisas” [2].


Enquanto observava as nuvens moverem-se no céu azul da Grécia, disse: “Que beleza criou Deus em sua glória, para o bem do povo que é seu, para que o povo glorifique com alegria o seu Criador... Ó Rainha dos Céus! Fazei que o povo seja digno de ver a glória do seu Senhor!” [3].

Para um companheiro de estrada, que com um bastão rompia as folhas dos arbustos à beira do caminho, dizia: “A folha era verde sobre a árvore e tu a estraçalhaste sem necessidade. É verdade que não é um pecado, mas o coração que aprendeu a amar se reconcilia com todas as criaturas, sobretudo com as mais pequeninas” [4].

A sua piedade para com os animais era comovente. Diz seu discípulo: “Lendo os escritos do starezt, é muito bom pararmos sobre seus pensamentos e seus sentimentos para com os animais. Não podemos experimentar a paixão que ele provava por cada criatura, e isto podemos sentir relendo o passo que dá ao deplorar a sua crueldade por ter matado uma mosca, ou por ter jogado água quente num morcego que se instalou no seu depósito; e assim podemos compreender a sua compaixão por cada criatura que sofre”. Naturalmente, nestes casos, não se trata de um amor pelos animais que substitui o amor pela humanidade, como muitas vezes pode acontecer. Ele deplora o amor exagerado pelos animais que esquece o amor pelos humanos e por Deus, último termo de todo amor pelas criaturas. O amor pelas criaturas deve nascer de graça. “A sua compaixão pelas criaturas não era um fenômeno patológico, mas sua a expressão de uma grandeza de alma sobrenatural e de uma bondade derivada da graça” [5].

Temos também São Serafim de Sarov (1759 – 1833). Ele é conhecido como o “São Francisco do mundo russo”. Este santo, que viveu grande parte da sua vida em contemplação dentro das impressionantes florestas russas, conseguia transfigurar o mundo numa contínua oferenda para o Criador. Através da oração contínua aprendeu a “conhecer a linguagem da criação, a escutar o louvor das criaturas e a compreender como é possível dialogar com elas”[6]. Um testemunho ocular relata:

“À meia noite, ursos e lobos, lebres e raposas circundavam o êremo de Serafim, junto a insetos e répteis de todos os tipos. Terminada a prece... o asceta saía da sua cela e começava a matar-lhe a fome dividindo com eles o seu pão seco. Um grande urso gozava de particular amizade com o santo homem... O que tocava a todos era a alegria que o Pai Serafim irradiava naquela ocasião. Sorridente mandava o urso pegar qualquer coisa, e este retornava pela rampa trazendo um favo de mel que o anacoreta oferecia gentilmente a seus hóspedes. Mais tarde as representações mais comuns de Serafim serão aquelas que o apresentam sentado à sombra de um pinheiro enquanto dá um pedaço de pão a um urso.” [7].

Mesmo após a revolução russa, a caça ao urso é proibida na floresta em que viveu São Serafim, o “semelhantíssimo a Cristo”, como era chamado na tradição póstuma.

[1] ISACCO DE NINIVE, Discorsi Ascetici-I: L’Ebbrezza della Fede, Roma, 1984,395.
[2] SOFRONIO, Silvano Del MonteAthos: La vita,la dotrina,gli scriti. Torino. 1973, 107
[3] Idem
[4] Ibidem.
[5] Ibidem, 105
[6] GORNAINOFF I. , Serafino di Sarov. Vita, colloquio com Motovilov, scritti Spirituali. Torino, 1981,16
[7] Idem 50

Amanhã, a Conclusão

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